sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Há 103 anos da greve por Pão e Rosas

por Celeste Murilo


Uma mancha de tinta se expande na tela porque penetra profundamente suas fibras. Uma ação decidida muda a suas protagonistas porque penetra, como a tinta na tela, profundamente as fibras de suas vidas. Essa é a história das mulheres de Lawrence.



A greve de Lawrence

Há 103 atrás, numa cidade chamada Lawrence, no estado de Massachusetts (EUA), longe das festas de ano novo, as trabalhadoras têxteis iniciaram uma greve que será conhecida como a greve por “pão e rosas”. A greve culminaria com a implementação da redução da jornada, aumento de salários e reconhecimento dos sindicatos.

A primeira década do século XX começou com uma onde de greves nos Estados Unidos, concentradas no ramo têxtil, a indústria que mais crescia na época. As jornadas intermináveis, os salários miseráveis e as condições desumanas de trabalho lançaram milhares à greve.

Em 1908 as trabalhadoras do vestido de Chicago fizeram uma ampla campanha pela redução da jornada laboral e pela melhora das condições de trabalho. No ano seguinte, em 1909, Nova York viu a primeira ação operária de grande magnitude da história da cidade, liderada pela “veterana” Clara Lechmil de 23 anos. E 1911 foi o ano da famosa greve têxtil que terminou em desastre, devido ao incêndio provocado pelos donos da Triangle Shirtwaist Company.

Ano novo de 1912

No ano novo, longe dos banquetes das famílias ricas, trabalhadoras e trabalhadores de Lawrence entravam em greve. Uns dias antes, se havia votado uma nova legislação que reduzia a jornada de trabalho de 56 para 54 horas por semana para as mulheres e menores de 18 anos.

A indústria têxtil empregava mão de obra imigrante, feminina e infantil. Mais da metade eram mulheres e muitas eram menores de 18 anos. Uma de suas bandeiras principais era conquistar o pão (simbolizando os direitos trabalhistas) e as rosas (como símbolo da exigência de melhores condições de vida).

A enorme maioria das operárias de Lawrence não estava organizada em sindicatos, já que a AFL (American Federation of Labor, central sindical oficial) só filiava operários qualificados, isto é, homens brancos. Portanto, a indústria têxtil estava totalmente desorganizada.

Organização e luta, com as mulheres na frente

À frente da greve estava a IWW (Industrial Workers of the World), que foi uma das primeiras organizações operárias que ajudou as mulheres a ocuparem postos dirigentes e que lutava por métodos democráticos nas lutas. Buscou seguir os passos dos Cavaleiros do Trabalho, que inauguraram a tradição de sindicatos mistos (integrado por trabalhadores brancos e negros) e a incorporaram as mulheres.

Em 10 de janeiro se realizou a primeira reunião na IWW, onde mil operárias, que acabavam de receber seu cheque com um salário menor (pela redução de horas), decidiram chamar greve. Horas depois, tudo estava em marcha. As primeiras a sair foram as operárias polonesas da Everett Mill, em 11 de janeiro. No dia 12, foram seguidas pelas operárias de American Wollen Company (uma das maiores empresas). E se estendeu para a maioria das fábricas.

Elegeu-se um comitê de greve com 56 titulares e 56 suplentes, para representar os titulares no caso de serem presos, algo comum durante as greves. O comitê representava todas as nacionalidades; nas reuniões se falava 25 idiomas e 45 dialetos, e havia interpretes de  todos eles. Todos os dias se realizavam assembleias ao final do dia, onde se fazia um balanço e se resolvia os passos a seguir.

As primeiras medidas votadas foram: fundo de greve e piquete massivo ao redor das fábricas. Os enfrentamentos com a polícia e as milícias do governo local eram cada vez mais violentos e se fazia difícil bloquear a entrada dos fura-greve. Resolveu-se formar uma linha “infinita” ao redor das oficinas, um piquete que se mantinha 24 horas e se movia constantemente. Desta maneira era impossível entrar na fábrica.

Em poucas semanas, os dirigentes são presos, acusados de incitar a violência e pela morte de uma trabalhadora. A IWW envia a Elizabeth Gurley Flynn, Joe Hill e Carlo Tresca, para substituir os dirigentes presos.

Novas medidas para aumentar a participação feminina


O novo comitê de greve instalou restaurantes e creches comunitários para filhos e filhas das trabalhadoras. As medidas buscavam facilitar a participação das mulheres. Também realizavam reuniões só de mulheres, já que também é necessário combater o machismo entre os trabalhadores, incluindo os ativistas. Uma das impulsionadoras mais entusiastas desta política foi Elizabeth Gurley Flynn.

A IWW também se dirigia especialmente às crianças, que suportavam ataques na escola no bairro, a cidade estava dividida pela greve. Começaram a realizar reuniões infantis no sindicato e numa escola onde se discutiam o motivo da greve. A medida deu tão certo que foi usada novamente durante a greve de Paterson, em 1913.

Pela crescente violência se decidiu enviar as crianças a outras cidades, onde seriam abrigados por famílias solidárias. No primeiro trem saíram 120 crianças. No momento em que sairia o segundo trem para Nova York, a polícia desatou uma repressão desmedida na estação. Este episódio levou a greve às paginas dos jornais nacionais e ao Congresso.


Todos falavam de Lawrence. Os dirigentes da central sindical oficial tiveram que se pronunciar, porém não apoiaram a greve: tacharam as trabalhadoras de esquerdistas, anarquistas e revolucionárias, diziam não ter nenhuma relação com os comitês de greve. Porém as trabalhadoras de Lawrence contavam com um apoio amplíssimo. Realizavam-se manifestações de solidariedade em todo o país. As universidades próximas, como a renomada Harvard, tinham comitês estudantis que colaboravam com a greve e se precisavam se ausentar das provas, a universidade os davam  por aprovados. As estudantes universitárias mulheres recolhiam dinheiro, difundiam a luta e viajavam à Lawrence para colaborar diretamente com o comitê de greve.

A grande difusão, a firmeza das trabalhadoras, e o medo de que a greve se estendesse, fez os empresários ceder: aceitaram a jornada laboral reduzida e o aumento dos salários. Depois de uma longa luta, durante quase todo o inverno, em 12 março a greve por  “Pão e Rosas” termina com uma das primeiras vitórias do movimento operário nos Estados Unidos. Em 30 de março, os filhos e filhas dos trabalhadores voltam para Lawrence.

Sua vitória não se limitou a suas demandas. Transformou completamente a ideia de como lutar para ganhar. A história do movimento operário até então associada ao rosto de um homem valente, sem dúvida, foi superada pela ação das mulheres lutando dias e noites junto a seus companheiros, greves como a de Lawrence mostram isso claramente.



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